Nem o paraíso criado por Deus, tampouco Pasárgada seriam o suficiente para realizar seu sonho dantesco, motivo de sua talvez glória e total condenação.
Seus devaneios a amarguravam cada vez que pensava naquele beijo, último toque que provara do amor fugaz que nunca pôde viver. Seu olhar era um mesclado de pureza e malícia, dissimulada e sutil, ao mesmo tempo em que o verde musgo cintilante de seus olhos a denunciava.
Para ela, noite para ser dormida era o mesmo que o sol não nascer. Meramente impossível. O tique-taquear do relógio seguia o compasso de sua respiração, enquanto alguém lá fora conversava com o vento.
Pôs a mão direita no vão ao seu lado, e o vazio do espaço solidarizou-se com o do coração. A cama, cujo lado direito não havia ninguém para preenchê-la a fez estremecer. Certamente nunca haverá ninguém ali, e esse ninguém tinha nome, sobrenome e um endereço por ela desconhecido.
E então, ela o viu. Seu sorriso maroto deliciou-a por inteiro. Não o ouvia, e a não ser que estivesse deilirando, podia jurar que viu seus lábios carnudos formarem as palavras "pequena Mary".
Sua respiração ficou lenta, e os olhos se fecharam lentamente. Se morresse naquela noite partiria feliz por ter a imagem dele fresca na memória.
- oh, senti saudades querido E...
O despertador tocou. A noite se fora, e levou consigo seu "querido E...".
E como todas as manhãs fazia, abriu seus olhos de ressaca, penteou os cabelos e perfumou-se. A esperança de revê-lo nunca a deixou, e quem sabe sua tão sonhada Pasárgada se encontrasse em uma esquina, em um bar qualquer, onde seu querido tomava um delicioso café matinal. Porque o paraíso é onde ela é "amiga do rei, e terá o homem que ela quiser, na cama que ela escolher."
Agridoce
É tarde demais pra pensar em voltar atrás. É tarde demais pra pensar em querer você pra eu dançar. Mas não é tarde demais pra seguir em frente. Nunca é.
domingo, 7 de setembro de 2014
sábado, 6 de setembro de 2014
Na calada da noite
É na madrugada que a distância entre nossas limitações diminui. É na madrugada que soluços e suspiros são abafados pelo travesseiro. É na madrugada que abrimos os olhos e idealizamos um mundo ideal. Ou letal.
Miranda.
Miranda.
O tempo, o sol e o vento.
Faz calor aqui dentro. A ironia é que o tempo lá fora nunca
esteve tão frio. Através dos reflexos embaçados da janela, vejo pessoas, e até
mesmo coisas tão gélidas como a brisa matinal. Durante algum tempo, também fui
assim. Tempestuoso, imprevisível que nem o vento. Que é frio. Carregado. No
ritmo de um assobio cansado.
A grande diferença, é que o vento carrega tudo consigo.
Mágoas, angústias e até mesmo coisas boas. Eu os detinha, era uma barreira que
impedia quaisquer sentimentos seguirem seu caminho. Sobretudo os ruins.
A visão literal sempre fez mais sentido para mim, no
entanto, tudo fica mais bonito quando há uma pitada de metáfora na história, dá
um gosto agridoce ao sofrimento, o qual, felizmente já não existe mais.
Derrubei as barreiras e deixei as coisas seguirem seu curso natural. De vento,
fui promovido a sol, e o calor que há em mim derrete todo e qualquer tipo de
ressentimento que possa restar aqui.
É confortável estar aquecido, enquanto muitos enfrentam sua
pior nevasca interna. Eu, antes tão comum, cabisbaixo e sorrateiro, hoje tenho
um diferencial. A felicidade que me consome. Por um tempo, será bom ter toda
essa energia só para mim. Não é egoísmo, eu prefiro chamar de amor próprio.
A chuva começou a cair. Pessoas corriam e procuravam abrigo,
gotas de chuva apostavam corrida na vidraça da lanchonete. Mais adiante, o mar
se escondia por detrás da neblina.
Um garçom rechonchudo, com barba por fazer e olhos de
ressaca aproximou-se.
– Gostaria de alguma
bebida para se aquecer, meu jovem? Café é um ótimo companheiro do frio.
Semicerrei os olhos e sorri.
– O tempo nunca esteve
melhor, e não me refiro à chuva lá fora. Um copo de água com gelo, por favor.
De Miranda, para meu querido amigo à distância Alecs.
segunda-feira, 12 de maio de 2014
To Dream
A brisa noturna faz a cortina de meu quarto dançar. O coração palpita, eu suspiro. Uma sinfonia perfeita. Eu, a brisa e você. Nossa música, e sei que de algum lugar pode ouvi-la tocar. A propósito, sei de muitas coisas a seu respeito. Como por exemplo, se soubesse que estou com frio nesse momento cederia sua blusa. Assim como fará quando nos conhecermos naquele barzinho que a galera se reúne as sextas, ao som de Nirvana. Em uma noite úmida quando eu, desastrada toda vida esbarrar em um garçom que derrubará cerveja em mim. Meus óculos tortos, e a blusa ensopada o irão fazer gargalhar.
É tão gostoso ouvir seu riso da minha varanda, bebendo chá. E se você estivesse aqui, faria uma careta, daria as costas e iria tomar uma xícara de café bem forte. Claro, você detesta chá, como diz, prefere a cafeína correndo nas veias, dando-lhe energia. Fazendo de seu riso prazeroso ainda mais forte.
Suas tentativas de me beijar com bafo de café são pura provocação, mas eu sempre vou me distrair e você aproveitará para me roubar um beijo. Roubará meu coração, meus beijos e o lado vazio da minha cama. E eu? Serei ladra de quê? Das suas blusas, dos seus sorrisos e olhares.
Nas manhãs de domingo, me acordará às seis da manhã com um bom dia prolongado, só porque sabe que odeio acordar cedo. E quando eu for para a cozinha comer, meu chá estará pronto, e um belo pedaço de bolo de chocolate para acompanhar. Você me conhece melhor do que a mim mesma, e saberá que nada como comida para curar meu mau humor dominical, e principalmente, matinal.
Durante algum tempo será somente nós dois. Eu cuidando das flores enquanto você lava o carro e com um sorriso malicioso lança um jato de água em minha direção. Sim, isso vai me irritar muito, e você irá me beijar, e esquecendo-se do carro, da água, das flores, iremos para o quarto e lá, provaremos nosso amor mais fugaz. Sem palavras. Só suspiros.
Teremos três filhos e nenhum cachorro. Você não gosta, embora eu queira e insista muito.
Faremos viagens em família, ao som de rock ou reggae, tanto faz, nisso concordamos. Você fará o volante de bateria e as crianças cantarão, enquanto eu olho para o céu, mais limpo do que nunca, com o brilho do sorriso perdendo somente para o Sol.
E aí, vamos envelhecer. Eu ficarei com rugas, e você calvo. As crianças crescerão, seguirão suas vidas e a casa voltará a ser nossa. Apenas com o barulho da chaleira e do rádio ao lado de sua poltrona, enquanto lê o jornal.
Eu passarei a beber café, e você começará a apreciar o chá. Mas hoje, prefiro devanear com minha natureba. Eu queria sua blusa, ou melhor, seu abraço. Faz frio aqui fora. Está na hora de entrar. Um aroma invade o quarto e sei que lá em baixo, você toma café. Desço sorrateira, beijo sua careca e sorrio enrugada. Estendo minha xícara e você logo entende e faz o mesmo. Um brinde!
Abraçados subimos, e seus braços esquentam da mesma forma que sua blusa me esquentou naquela noite úmida, enquanto eu fedia a cerveja. Está tudo no seu devido lugar. Eu dentro do seu abraço, você no lado que já não é mais vazio na minha cama.
– Só para você saber, continuo odiando aquela natureba que você chama de chá.
Eu sorrio, e tenho certeza de que você ouviu minha conversa com o vento. A maravilha de ter te conhecido é que vez ou outra, para fugir da rotina nossas almas se encontram para devanear.
É tão gostoso ouvir seu riso da minha varanda, bebendo chá. E se você estivesse aqui, faria uma careta, daria as costas e iria tomar uma xícara de café bem forte. Claro, você detesta chá, como diz, prefere a cafeína correndo nas veias, dando-lhe energia. Fazendo de seu riso prazeroso ainda mais forte.
Suas tentativas de me beijar com bafo de café são pura provocação, mas eu sempre vou me distrair e você aproveitará para me roubar um beijo. Roubará meu coração, meus beijos e o lado vazio da minha cama. E eu? Serei ladra de quê? Das suas blusas, dos seus sorrisos e olhares.
Nas manhãs de domingo, me acordará às seis da manhã com um bom dia prolongado, só porque sabe que odeio acordar cedo. E quando eu for para a cozinha comer, meu chá estará pronto, e um belo pedaço de bolo de chocolate para acompanhar. Você me conhece melhor do que a mim mesma, e saberá que nada como comida para curar meu mau humor dominical, e principalmente, matinal.
Durante algum tempo será somente nós dois. Eu cuidando das flores enquanto você lava o carro e com um sorriso malicioso lança um jato de água em minha direção. Sim, isso vai me irritar muito, e você irá me beijar, e esquecendo-se do carro, da água, das flores, iremos para o quarto e lá, provaremos nosso amor mais fugaz. Sem palavras. Só suspiros.
Teremos três filhos e nenhum cachorro. Você não gosta, embora eu queira e insista muito.
Faremos viagens em família, ao som de rock ou reggae, tanto faz, nisso concordamos. Você fará o volante de bateria e as crianças cantarão, enquanto eu olho para o céu, mais limpo do que nunca, com o brilho do sorriso perdendo somente para o Sol.
E aí, vamos envelhecer. Eu ficarei com rugas, e você calvo. As crianças crescerão, seguirão suas vidas e a casa voltará a ser nossa. Apenas com o barulho da chaleira e do rádio ao lado de sua poltrona, enquanto lê o jornal.
Eu passarei a beber café, e você começará a apreciar o chá. Mas hoje, prefiro devanear com minha natureba. Eu queria sua blusa, ou melhor, seu abraço. Faz frio aqui fora. Está na hora de entrar. Um aroma invade o quarto e sei que lá em baixo, você toma café. Desço sorrateira, beijo sua careca e sorrio enrugada. Estendo minha xícara e você logo entende e faz o mesmo. Um brinde!
Abraçados subimos, e seus braços esquentam da mesma forma que sua blusa me esquentou naquela noite úmida, enquanto eu fedia a cerveja. Está tudo no seu devido lugar. Eu dentro do seu abraço, você no lado que já não é mais vazio na minha cama.
– Só para você saber, continuo odiando aquela natureba que você chama de chá.
Eu sorrio, e tenho certeza de que você ouviu minha conversa com o vento. A maravilha de ter te conhecido é que vez ou outra, para fugir da rotina nossas almas se encontram para devanear.
domingo, 11 de maio de 2014
Olhos de Águia
Há quem diga que os olhos são a porta da alma, nada
escondem, nada disfarçam e dizem o que a boca prefere calar. Antes de tudo,
esclareço uma coisa. Não estou generalizando, afinal, somente um dentre tantos
olhares me encanta, faz-me perder os sentidos, me hipnotiza. Há quanto tempo
mesmo? Três anos.
É. Realmente, uma hipnose que só os melhores
conseguem fazer. Sinceramente, você não é o melhor, tampouco alguém que eu me
orgulharia ao apresentar para meus pais e amigos. Mas, automaticamente você já
se apresentou à minha vida, puxou uma cadeira e sentou-se para ver minha
regressão. Esse olhar desperta o melhor e o pior de mim. Desperta meus
instintos mais ardentes, fumegantes como uma chama, que se fragiliza até apagar
quando uma lágrima corre em meu rosto.
Ameaçador, com um toque de malícia e desejo. Basta!
É o necessário para eu me render, sem ao menos uma palavra ser pronunciada. Já
não é mais preciso um “eu te amo”, na verdade, nunca precisou. Me ter torna-se
tão fácil como respirar.
Seu instinto de caçador fere meu coração, a única
presa que (in)felizmente não é seu alvo mais. Seus olhos de águia esverdeados
já não provocam o mesmo efeito, pois esperança tornou-se apenas uma palavra
cuja cor representativa é verde. Sem mais comparações ao seu olhar. Aqui jaz o
amor, enquanto minha felicidade padece.
Não é posse. Deixou de ser amor. A saudade? Sempre
me acompanha. Então, o que me acorrenta a seu destino, tira meu sono, faz-me
sua prisioneira? Já sei. Seu olhar... Mas, vai além.
Nem em sonhos você imagina que fui predestinada a
saber de seus dias, sentir suas dores, de ver seu semblante indiscretamente
rondando minha mente e dizendo “Ajuda-me!”.
Temo que seja assim para sempre. E que não importa o
quanto eu fuja, seu olhar de águia sempre me alcance a quilômetros de
distância. Temo continuar vidrada, navegando, sem me dar conta de que até mesmo
no raso posso afundar.
Mas, meu maior medo é que essa hipnose sugue meus
dias, minha felicidade, o resto de tempo que mereço por direito. Suplico apenas
que tenha dó de mim, das lágrimas e sorrisos que perdi, do tempo que nunca mais
voltará a correr. Peça socorro, faça sinal de fumaça, estale os dedos, mas por
favor, não olhe para mim.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
Amargura Adocicada
Trabalho na delegacia de
Greendway há quinze anos. Jamais relato algum chocou tanto minha pacata
cidadezinha quanto a que vos escrevo agora. Se descobrirem o que estou fazendo
posso ser preso, mas, impossível não escrever a história mais confusa que ouvi
em toda minha vida. É triste saber que um atestado de óbito está em minhas mãos
enquanto um pai chora desesperadamente na pequena saleta ao lado, procurando o
consolo no meio do próprio desespero.
Como eu sei de tudo? Ora, ajudei
meu amigo Dave a fugir da prisão, não me orgulho disso, mas, em troca ganhei
sua lealdade e confiança. Ok. Além de quebra de sigilo, ajudei um prisioneiro a
fugir, mas quanto a isso penso depois, afinal ainda pergunto-me o que eu fiz da
vida durante todo esse tempo a não ser relatar histórias frustrantes em uma
delegacia caindo aos pedaços.
“De um
lado para o outro Dave parecia enlouquecer perto de tamanha inquietação. Ficar
engaiolado durante todo aquele tempo estava o fazendo pirar. Inúmeras vezes
tentou fugir, todas as tentativas foram falhas. Até que se lembrou de um amigo,
o Sr. Watson (Que no caso sou eu), um
velho escrivão que o ajudara certa vez em que fora incriminado.
Sem
muitas dificuldades conseguiu se comunicar com o coroa calvo de sorriso amarelo.
Relutei um pouco, mas acabei cedendo. Eu era seu passaporte para sair dali. A
segurança não era muito reforçada, cidade pequena, preocupação de menos. Tolos.
Um uniforme de guarda, o disfarce perfeito, a naturalidade. Pronto. Dave estava
pronto para bater as asas.
Sem
conhecer muito de Greendway Dave seguiu pelo caminho das montanhas, uma paisagem
perfeita repleta de vales esplêndidos. Já era noite quando avistou um casebre
de madeira pairando sobre um lago cuja água refletia o perfeito reflexo da Lua.
A pequena
passarela que impossibilitava o contato dos pés com a água fez com que Dave
duvidasse que a casa fosse abandonada. Sorrateiramente verificou se havia
alguém e só depois de certificar-se que não, empurrou a porta que estava
entreaberta.
Por
incrível que pareça, era tudo incrivelmente limpo e simples. Não havia nada
além de uma poltrona, que ficava de frente para a janela com vista para o vale,
um ventilador e uma cama no canto inferior da casa. Não havia eletricidade. Sem
se preocupar se o dono chegaria a casa pela manhã deitou na cama e dormiu o
sono dos justos. (apesar de não ter nada
de justo naquele homem). Ah, Dave Filler. Acusado de estelionato e alguns
furtos. Extremamente frio e calculista. Robusto, mal encarado e loiro, no
entanto seus cabelos não lembravam a luminosidade do Sol, tampouco brilhavam,
era acinzentado assim como seus olhos que vez ou outra ameaçavam tempestades
violentas.
Já era
manhã quando acordou. Pela primeira vez em anos se dera o luxo de acordar
tarde. Passava das nove quando olhou em seu relógio de pulso, “presente” que
conseguiu em uma relojoaria na cidade vizinha.
Abriu e
fechou os olhos inúmeras vezes pensando estar em um sonho quando viu uma
silhueta por detrás da poltrona confortável voltada para o Sol. E o mais estranho,
quem quer que fosse não havia se incomodado nem um pouco com a presença de um
estranho. Antes que ele pudesse se levantar, a moça ergueu-se e refez seu
caminho de volta, sequer olhou para a cama, como se não houvesse ninguém ali. (Ainda bem!)
Uma pena
ela não tê-lo notado, ou fingir não notar por ser esnobe, pois aquela moça...
UAU! Não existia palavra que Dave conseguiria pronunciar para expressar aquela
beleza especial. Seus olhos incrivelmente verdes e grandes pareciam pular de
seu rosto envolvendo-o naquela esperança em forma de olhar que apossava-se e
ofuscava todo e qualquer brilho que ousava ser mais forte do que os dela. Os
cabelos negros caiam-lhe pelos ombros enquanto sua pele branca emanava um
perfume maravilhoso. Enquanto o cheiro ainda invadia suas narinas perguntava-se
como tanta beleza acumulava-se naquele pingo de gente. Ela era baixa e
delicada, e sua expressão era aturdida e confusa. O que a deixava mais linda.
Pensou.
O ronco
de sua barriga afastou-lhe aquele pensamento e resolveu sair para comer algo.
Como o presídio ficava a alguns quilômetros da cidade, não haveria problema já
que nunca havia aprontado por ali. Até então.
Comprou
algumas roupas e comida com o dinheiro que restava em sua conta e passou o dia
perambulando pela cidade, até que anoiteceu e voltou para o casebre. Banhou-se
no lago, comeu um sanduíche olhando para o céu estrelado, pensando até quando
aguentaria uma vida de fugitivo. Adormeceu absorto e abriu os olhos somente na
manhã seguinte quando o Sol começava a surgir.
Sentou-se
na cama e ouviu passos. Receoso tentou se esconder, mas viu que era a moça do
dia anterior. A jovem entrou e ignorou completamente sua existência e Dave,
perplexo a fitava virando a poltrona de frente para o grande ventilador e
observando-o girar. Que diabos aquela garota estava fazendo? Pensou. A
propósito, ela usava a mesma roupa do dia anterior, um vestido florido que
pegava até os joelhos. Estranha.
– Oi. – Dave procurou interagir timidamente,
ficar no mesmo lugar que alguém e não dizer nada era desconfortável. Apesar de
gostar de solidão a moça era linda, não havia como querer distância.
– Ella. – A moça respondeu rapidamente sem
tirar os olhos de o movimento circular que ganhava velocidade.
– Ela quem?
– Nome. Meu nome!
Sua voz
saia feito um sussurro quase inaudível, enquanto seus olhos pareciam rodar
junto com as Hélices do ventilador.
– Ah, meu nome é Dave. Prazer Ella, você é
muito bonita.
Ella não
se importou com o elogio, pareceu nem ouvi-lo. Dave procurou ganhar a atenção
da moça algumas vezes, mas falhou. Ele passou a observá-la e pôde jurar que ela
ficou imóvel cerca de vinte minutos. Assim que seus olhos se encontraram,
rapidamente ela baixou o olhar que se fixou na camisa vermelha que ele vestia. Cabisbaixa
ela parecia perder-se naquela cor e lentamente caminhou com as mãos estendidas
até tocar na camiseta.
Dave
achou aquilo tudo muito estranho, mas não recusou o toque. Sinceramente, sua
vontade era gargalhar, mas a moça parecia realmente interessada no que havia
naquela blusa, especialmente embaixo dela. Porém, ela não fez movimento nenhum
parecendo que iria tirá-la o que o desapontou.
– Eu gosto de vermelho.
– Por que você não olha nos meus olhos
enquanto fala?
– Não gosto.
Subitamente
ela afastou-se. Parecia agitada e levou às mãos a cabeça enquanto andava de um
lado para o outro até encontrar o caminho da porta e sair. Ele realmente estava
intrigado com o comportamento da moça que parecia passar por alguma perturbação.
E
realmente passava. Ella era autista. Encontrei Dave naquela tarde e eu mesmo o
contei. Ele havia me perguntado sobre uma jovem de lindos olhos esverdeados.
Contei-lhe tudo o que sabia e pedi para que ele se afastasse da moça, ela era
facilmente influenciada além de ser muito sensível. Disse também que o pai
dela, o Sr. Owen construiu aquela cabana para que a filha pudesse observar as
montanhas, Ella adorava e durante uns tempos era a única coisa que a acalmava.
Obviamente
Dave não me contou com detalhes os fatos do dia anterior quando conheceu a
moça, afinal, sempre foi um homem de poucas palavras. A única expressão que
podia ver em seu rosto era curiosidade e fascínio por alguém que despertou nele
seus instintos mais sacanas.
Por
favor, não me peçam detalhes, minha versão é a mais simplificada possível e a
única que poderão ler. O que se sabe é que com o passar dos dias Dave tentou,
inúmeras vezes conquistar Ella, que tampouco se importava com os flertes cada
vez mais insistentes.
As
aproximações a incomodavam e ela se afastava de qualquer contato. Muitas vezes
nem percebia a presença do homem que estava ficando louco por estar tão perto e
ao mesmo tempo tão longe de sua mina de tesouro.
Com o
passar do tempo, as mudanças começaram a ser notáveis em ambos. O caso de Ella
estava mais estável. Quanto a Dave, seu desejo de entender aquela mente
assustada e inocente tomou lugar ao desejo carnal que o fez se aproximar
inicialmente. Segundo ele, nunca tentou beijá-la, apenas algo o deixava
imensamente triste. Não poder ver aquele feixe de luz esverdeada atingir seu
olhar frio e sem vida quando ela balbuciava. Ella ficava na cabana praticamente
a tarde inteira, muitas vezes em silêncio tendo a respiração de Dave como base
para continuar hipnotizada sentada em sua poltrona.
Foi no
dia quinze de março que tudo mudou. Passava das oito da manhã quando um
movimento estranho cercou a casa, o que alertou Dave. De súbito ouviu-se um
estrondo. Um tiro.
– Finalmente o encontrei Filler. Estava brincando
de casinha é?!
Não faço
ideia de quem era. Talvez um dos muitos inimigos que Dave fez por aí a fora. O
que interessa é que o rapaz morreu com um tiro certeiro no coração. Filler o
matou, embora tenham trocado uns tiros.
Dave
havia esquecido completamente de Ella, que chorava compulsivamente enquanto mordia
as mãos balançando de um lado para o outro. Suas mãos estavam tapando os
ouvidos, o barulho do tiro ainda ecoava pelo pequeno casebre. Com muita
dificuldade ele conseguiu acalmá-la, enquanto a moça ofegante disse:
– O moço caiu!
– Acalme-se Ella, ele está dormindo. Eu o
coloquei para dormir, mais nada. Vá para casa agora.
Aturdida
ela refez seu caminho de volta e Dave a acompanhou até a cidade. Estava baleado
e veio até minha casa pedir ajuda com os curativos. Quase ninguém soube do
ocorrido e com muita dor Dave demorou a pegar no sono, a face assustada de Ella
rodeava sua mente e ele tinha vontade de pegá-la no colo para vê-la sorrir
timidamente. O sorriso dela era radiante, e não foi o Dave quem me contou, até
um cego saberia dizer a qualquer um que perguntasse o quanto Ella era linda.
Na manhã
seguinte Ella o observava atentamente enquanto ele revirava-se na cama. Naquele
dia, ambos passaram todo o tempo juntos, ela não entendia o que se passava, mas
Dave quase a idolatrava, feito um anjo, um doce anjo longe de qualquer
amargura.
Filler
estava com uma dor insuportável onde havia levado o tiro, bem na coxa esquerda
e Ella segurou sua mão o tempo todo, tão forte que parecia sentir a dor juntamente
com ele.
Pela
primeira vez na vida Dave sentiu-se amado por alguém, um alguém que não sabia o
que era amar, incapaz de demonstrar quaisquer demonstrações de afeto,
sentimento e amor. Mas Ella gostava da companhia de Dave, e mesmo sem ter o que
dizer, ficava ali, observando-o. Ora acariciando sua barba, ora mexendo em seus
cabelos ralos. Era bonito e recípocro o que ambos sentiam, mas não havia chance
alguma desse sentimento fluir, o destino não quis.
Já
estava anoitecendo e os dois continuavam ali. Com certeza o pai de Ella estaria
morto de preocupação, no entanto, vez ou outra ela dormia no casebre, por isso
a cama. Não havia com o que se preocupar.
Dave
parecia estar definhando com o que parecia ser um leve ferimento, Ella parecia
se importar, mas, sua atenção sempre voltava-se para outra coisa. A arma de
Filler estava em cima da poltrona.
– Ella, vá para casa, já vai ficar tarde.
– Você não dorme. Vou te fazer dormir.
– Estou sem sono.
Ignorando
o comentário Ella pegou a arma, sorriu docemente e pela primeira vez olhou
fixamente nos olhos de Dave.
– Boa noite!
Um tiro
que atingiu-lhe o pulmão. Rapidamente e ofegante ele me ligou e contou-me o
relato, disse que ela não havia culpa e saiu de uma forma tão inocente que
parecia não ter cometido um assassinato. Liguei para uma ambulância o mais
rápido possível. Infelizmente era tarde demais. O verde olhar de Ella não o
alcançaria nunca mais.
...
Preciso de água, horas em frente
a esse velho computador acaba comigo e ainda a pior parte está por vir. Irei
delatar o depoimento do Sr. George Owen, pai de Ella. É preciso coragem e
fôlego, alguém precisa estar calmo para confortar um pai desolado.
– Tudo bem senhor, diga-me pacientemente tudo
o que aconteceu naquela noite. Sei o quanto é difícil, acredite, para mim
também é.
Ele suspirou, secou a última
lágrima que teimava cair e em um fio de voz começou...
...
Ella
chegou um pouco assustada, mas nenhum comportamento estranho. Jantou e foi se
deitar. Minha filha sempre fora dependente em certos aspectos, seu caso de
autismo não era dos graves, há vários estágios de autismo e felizmente o dela
era estável.
Ainda
via televisão quando ela foi pelo menos umas três vezes beber água. Nunca soube
muito como lidar com minha filha, infelizmente minha esposa morreu no parto e
fiquei meio desorientado quanto a esse tipo de contato. Dava-lhe amor, mas
minha forma um pouco dura a fazia ser um pouco distante de mim. Perguntei o que
ela tinha e ela disse que não conseguia dormir.
– Filha, quer que eu leia uma história?
– Não, eu já sei como durmo. Boa noite papai!
– Boa noite querida. Durma com os anjos.
Dei de
ombros e continuei vendo o noticiário. Um barulho veio do quarto de Ella. Um
tiro. Corri imediatamente, mas era tarde. Não sei como, mas havia uma arma em
suas mãos pequenas enquanto o sangue sujava os lençóis. Entrei em desespero.
Realmente ela dormiu com os anjos.”
...
Ella Owen, um anjo, a moça mais
bela que meus olhos podiam contemplar. Quem diria que em meio a tanta doçura
haveria a amargura de matar friamente um “amigo” e em seguida fazer o mesmo
consigo? Foi por pura inocência, e por um erro de Dave que mostrou-lhe como se
põe alguém “para dormir” usando uma arma. Contudo, prefiro acreditar
assiduamente na hipótese que eu mesmo criei: Dizem que autistas não tem
consciência do que fazem, o mundo os privam de viverem por si próprios. Talvez
na ingenuidade Ella tenha encontrado a maneira de viver com Dave, sem
preconceito, sem barreiras e sem empecilhos. Ambos dormiram e nos sonhos talvez
eles possam viver uma vida normal, juntos. Talvez não, tenho certeza. Para todo
o sempre.
...
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
Reencontro.
- Senhora, sua passagem, por favor!
Desculpei-me pela distração e entreguei o papel um pouco
amassado. Estava encantada demais olhando pela janela do ônibus minha vida
retroceder. Sim, em cada rua que passava via-me uma menina que não sabia o que
esperar da vida, vendo o tempo passar. Anos depois retornei ao ponto de
partida, tudo tão nostálgico.
Desci no ponto em frente à escola que fiz o ensino
fundamental e parei para observar os jovens animados que saíam da escola. À
medida que caminhava em direção a casa de meus pais reconhecia alguns rostos,
mas ninguém que de fato chamasse minha atenção.
Distraidamente e absorta com as melancolias que me cercavam
atravessei a rua e um carro freou em cima de mim. O rapaz, atencioso saiu carro
para se certificar que eu estava bem e assim que nossos olhares se cruzaram meu
coração parou. A avenida parou. Ele sorriu e suspirou aliviado,
coincidentemente eu também. Não porque ele não havia me atropelado e por eu
estar bem, nosso alívio foi saber que o destino finalmente estaria cumprindo
sua promessa, fez com que a brisa nos arrastasse até aquele lugar mágico, onde
tudo começou, onde tudo provavelmente terminaria. Dessa vez, terminaria bem.
Assinar:
Postagens (Atom)